amanheceu. bolo de chocolate para as crianças. anoiteceu, frio e vento num sábado da cidade. fez sopa e pão caseiro. na tábua de madeira uns restos de verdes relembram o pão do restaurante chinês, que ela descobriu alí mesmo, na própria casa. se orgulhou de sí. o fogão verde que ganhou num natal na fazenda, iluminado por uma lâmpada de verdade. as panelinhas de inox, e o dia em que resolveu fazer café do lado de fora e aqui enquanto o pão cresce os anos cinquenta se refazem em sua memória. Ingrid Bergman em Europa 50, cristianismo e burguesia. o primo que ainda a ama, quem sabe ele é que é o amor da sua vida, ainda casado. ela antes, foi a uns lugares onde um povo da arte se reune, ela recebe convites pela internet. então sai de casa com horários programados, mas a tarde fria de ontem as roupas todas que não encontrava para vestir e o lugar onde não chegou, numa rua minúscula, ela parada se perguntando porque estava alí sem saber a resposta. e foi quando decidiu se sentar na calçada mendiga de sí mesma, pobre menina da roça sem gosto pelas coisas da cidade. sabe que imagina isso tudo, está um pouco deprimida rebatendo a virada de sí, imaginando coisas demais para deixar de acordar ou porque ser simples é bom também. ela não sabe bem. então senta-se na calçada, onde começa a escutar um piano atrás de sí, alguém treinando e tocando uma música como uma despedida daquele lugar que um pouco a alentou e um pouco foi mais um jeito de reafirmar o que trazia dentro de sí. queria mesmo era a proximidade. mas ainda assim achava a tarde linda, com umas luzes frias batendo de lado em algumas pontas de casas velhas e grafitadas, tudo aquilo que sua mente burguesa fazia com que ficasse ainda mais distante dalí. precisava voltar. então o gosto da comida feita em casa, talvez o cheiro a trouxesse de volta. e desde então batia e misturava, amassava e punha para assar, esfriar e esperar, que eram tempos precisos e concretos, e vingavam coisas como pães e bolos, sopas e tortas, caldas e sucos. de noite sonhou com a menina do lugar que não foi. e como num sonho acordada despertou com o telefone de um cara que nunca sabe onde entra em sua fantasia de menina pra casar. um dia o expulsou de casa enquanto fazia uma farinha de rosca com o pão torrado de meses atrás. depois que ele se foi, fez um almoço ruim. observação: não haviam criancas em casa e ninguém iria comer bolo algum com ela. diferente da pipi meias longas que se divertía à beça, convidando os vizinhos e por eles sendo convidada para lanches e folias. e certas expressões não mentem a sua idade e quando você inicia a constatação, já se sabe velha enfim.
essas pequenas singelezas demonstram um senso de perseguição enorme constatado por um amigo artista. e se lembra que nesta mesma noite saiu da festinha animada sem graca demais para ela saiu porque precisava de um refúgio mesmo e neste caso uma mostra de filmes feitos por mulheres quando encontrou o filme passando numa sala enorme onde não havia mais ninguém e então assistiu ao filme sozinha. o filme era para ela, amélia, feito no brasil e falado em francês e espanhol e de vezem quando italiano para falar da nossa colônia portuguesa e dos desentendimentos revirados nos confins de minas com uma atriz de paris. e o bolo ficou muito ruim, talvez a mistura desigual entre o açúcar e os ovos, ou o fato de ainda estar quente ou a fome indefinida não ter sido saciada, não se sabe o porquê, mas começa desconfiar que a cozinheira talvez neste ciclo sem fim de preparar e fazer e limpar num momento se esgote e finalmente num momento único diz não quero mais, nem da fome eu sei mais. e sai. dalí deixando tudo como está, pensa nas baratas e nos restos e na carta que precisava fazer para o síndico do prédio. o que nunca faz. se lembrou também de ter visto o portão de um cemitério aberto com uma luz linda lá dentro e que se tivesse uma máquina, fotografava, pensou. mas se isto não for um pedido de desculpas, ou uma explicação sobre sí, gostaria de dizer que tem medo da opinião dos outros. então achou melhor que só estivesse de passagem mesmo. pensa que este texto poderia ir direto para uma análise, não de um escritor, pois isso de querer aparecer estraga até mesmo um bolo simples. melhor nem dizer. vai a mais uma exposição. entende que expõe a sí de um jeito que lhe é impróprio mas não encontra mais os limites. e vai, precisa mesmo sair, ela diz. na mostra Isabele Hubert, o filme, Home, lar doce lar, isolamento e propriedade numa palavra só. nem sempre aconchego, como essas pessoas que olham sós de suas janelas, como se tivessem saudades do mundo lá fora.
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