Saturday, November 02, 2013

alzheimer

um homem desaparecido um senhor de uns setenta anos de idade, trajando camiseta e um boné escrito UPWAY, cabelos e barbas brancas está desaparecido e este cartaz colado num poste a caminho do jardim da luz, onde passo mas não anoto o telefone onde ele estará agora, comendo um pratinho de milho, nú no meio da rua, em algum abrigo, penso nisso depois de ter ficado em frente ao sol energizando os olhos, escutando mas procurando me afastar da conversa que escuto entre três senhoras, odeio dizer senhoras, quando quero dizer velhas, fofocando algo num canto da grade de uma igreja, ele tem alzheimer, e elas não se esquecem de nenhum detalhe , se pelo menos ela tivesse a educação, fizesse algo, acho que a menina tem uns 15 anos provavelmente e o resto da conversa não vale a pena escutar, afinal, hoje é sábado, e estou passeando pela cidade, e elas sempre querem ter razão e a menina jovem provavelmente a essa hora hora deve estar andando como namorado ou as amigas, e vai ajudar um pouco em casa, mas a contragosto, porque afinal, isso parece ser tarefa pra outra, e a tia vai chiar de qualquer jeito, ela sabe. acho que sim, nem desviar do sol, nem olhar pra ele, ficam ali, feito 3 galinhas, tagarelando na porta da igreja, é uma escolha bem ruim, a meu ver, por mais que elas tenham a maior razão no seu pequeno mundo feito de panelas, de compras no supermercado, carteirinhas de pano, dinheiro bem contado, dobrado e enrolado, sem piedade,como eu de manhã me olhando no espelho e elas também imagino como suas caras nem tão frescas assim, ao acordar a cada manhã, suportando os cantos dos olhos, as bolsas e as pálpebras caídas, isso tudo, e por isso elas se olham bem rápido e vão logo colocando a primeira roupa, porque afinal, a bolsa a tiracolo, pra comprar a carne do almoço e da janta, em pacotes separados, o pacote de biscoito cheio de açúcar e chocolate bom e barato na dose certa pro fim de semana quando a/ o neto vem. e tc. acho melhor acompanhar o carrinho com as duas crianças peruanas ou bolivianas juntas dentro, não que o carrinho seja grande, muito pelo contrário tanto que a certa altura uma das crianças e é um menino, é tirado pra andar,e ele vai indo à frente, acertando os passinhos, e elas seguindo atrás, e vou atravessando as ruas e vejo os homens no parque a mulher de branco dançando a música brega que tocam do lado de fora do portão, e eu acho aquilo lindo. tão emocionante que me pergunto se vou chorar, quando decido fazer coisa melhor deixar aquela cena pra trás, e aí vou chegando na pinacoteca, os portões quase fechando onde aquele povo todo não entra mas um outro tipo de gente sim, como eu as vezes, e é estranho porque tem muita vida lá fora, e mesmo assim a gente quer ver o que há lá dentro, onde se descobre um outro tipo de vida, vendo desenhos recriando o mundo, bules, moças dançando, o mundo girando, a lua , o sol, o rinoceronte, tudo, tudo, o universo e o homem, o artista, ele fala por nós, eles definem o que deixamos passar, como o homem com alzheimer ao revés, lembrando de tudo, de cada detalhe, o artista querendo comer o mundo e depois então ele vai cuspindo tudo o que digeriu ou não digeriu, e vai devolvendo tudo, de cada vez, de um jeito ou de outro, e outros sentidos vem vindo, como na escrita, na caminhada, ao fim do dia, quando o som do cachorro uivando lá longe, o céu escurecendo, trazendo as pessoas de volta pras casas se juntam ao início do dia, fechando um ciclo, relembrando o tempo, que começou na manhã com os passarinhos cantando, o dia anunciando, o sol ainda nem aquecendo, enfim, ou da tarde como a de hoje morna e tranquila, com o bebê fofo e loiro de olhos azuis, usando seus pezinhos com sapatinhos e passinhos brancos, e eu assistindo e participando do ping pong de mesa desenhada, de nós desatados, de linhas cruzadas, fazendo do tempo um modo de ser que eu não deixava passar há tempos, e assim, de um jeito outro, como se precisasse dessas regras inventadas pra inventar de novo um caderninho meu, onde pudesse colar cada coisa que encontrasse, um arame retorcido, o mapa da índia, um símbolo qualquer, pra que eu possa de novo e cada vez desafiar esse sentido de cada pedacinho de papel que eu visse cair, ou que estivesse no chão, e eu me sentisse tentada a pegar, como um sinal dessa busca que eu não sei bem qual é, procurando sentidos ocultos, desejos pequenos e recatos como encontros tímidos entre eu e o mundo, as pessoas, como as duas coroazinhas de rainha ou de princesa, feitas de um plástico prateado, que eu encontrei abraçando um poste, e que quem sabe um travesti deixou, ou a mãe das meninas, porque elas já teriam se cansado das coroas ou já haviam ganho outras, numa festa que acabou e estão todos agora felizes e cansados, como eu não estou há tempos, e eu daria junto de um presente comprado pra júlia, e que eu nunca vou dar, porque não vou ser convidada pra essa festa e por isso vim num ping pong ou tirateima, um jogo que jogo comigo mesmo, numa paródia, na recriação de problemas e proposições que aparecem e que a gente observa se perguntando de onde vem as regras que fazem com que quase todas as mulheres que resolveram visitar a exposição usassem vestidos, e como quando elas se puseram em trios ou duplas num outro jogo que não havia sido combinado antes, como elas tinham assuntos em comum, e eu gosto de pensar que o dia foi bom, mas que eu aqui no vazio da casa, imaginando as crianças que se foram ou que estão na festa e as bolas de bexiga, talvez os doces, a alegria da mãe que não sou eu, e que festeja enfim os dois anos da filha junto com o pai dos meus filhos, de como vcs formaram a família ideal e eu fiquei a ver navios, exposições, danças, como se tivesse escolhido viver assim sem que jamais repousasse num sonho sem fim.

No comments: